Empresas portuguesas de vestuário e calçado vão dar formação em Angola
Fonte: Jornal ECO
Empresários querem reforçar presença em Angola com investimentos na área industrial e usar o país como plataforma comercial para outros países africanos. Governo português defende "pragmatismo".
Os empresários portugueses do vestuário e confeção e também da área do calçado juntaram-se para avançar com um projeto que pretende desenvolver um ecossistema industrial em Angola nestes setores relacionados com a moda, podendo abranger igualmente a plantação de algodão. O “primeiro passo” passa pela criação de um centro de formação em Angola para a indústria têxtil, do vestuário e do calçado.
Em declarações ao ECO a partir de Luanda, para onde viajou na semana passada na companhia de Manuel Carlos, presidente não executivo da associação do calçado (APICCAPS), o líder da indústria do vestuário e confeção (ANIVEC), César Araújo, sublinha que “esta escola de formação vai permitir que estes setores se possam desenvolver de uma forma mais fácil”. “Porque não basta montar uma fábrica, é preciso ter os trabalhadores bem qualificados, sejam costureiras, eletricistas, mecânicos”, refere.
Embora este centro tenha como objetivo formar pessoal para dar corpo à indústria angolana, “não quer dizer que não possamos fazer no futuro um intercâmbio de trabalhadores”, reconheceu o também presidente da Calvelex, que tem três fábricas de confeção no Norte do país, lembrando a falta de mão-de-obra em Portugal e atestando que “a partilha de trabalhadores entre os dois países faz todo o sentido”.
“Este é um trabalho que tem de ser feito com cabeça, tronco e membros. É um trabalho a longo prazo e não para resolver um problema imediato. É uma parceria para o futuro. E como Angola vai ter um desenvolvimento enorme nos próximos anos, faz todo o sentido que Portugal faça parte desse desenvolvimento. Isto não é para deslocalizar a produção”, reclama César Araújo, que nos últimos dias visitou cinco fábricas e reuniu com empresários angolanos e também de origem portuguesa que têm unidades de produção no âmbito destas fileiras.
Além do representante da Nau Verde, que engloba a Calvelex, a Polopiqué, a Riopele e a Paulo de Oliveira, fizeram parte da comitiva outros empresários, como Paulo Coelho Lima (Lameirinho) e Ana Lisa Sousa (Vandoma Ties), que, do ponto de vista comercial, veem também Angola como plataforma para outros mercados africanos. Nos últimos dias reuniram-se com as autoridades angolanas e participaram na segunda edição da Luanda Fashion Week, parceria luso-angolana em que os jovens talentos locais da área do design de moda podem desenvolver as suas coleções.
Governo português apela ao “pragmatismo”
Depois do pico registado em 2014, as exportações para Angola têm vindo a cair ano após ano também nestes dois setores. Em 2021, a indústria portuguesa do têxtil e vestuário vendeu cerca de 21,6 milhões de euros para Angola, enquanto a fileira do calçado enviou para o país africano artigos avaliados em perto de 4,2 milhões de euros. Este ano, como destaca o secretário de Estado da Economia, as importações e as exportações entre os dois países estão a crescer perto de 50% em termos homólogos.
“Podemos beneficiar da experiência que temos na indústria mais ligeira, de que Angola tem muita falta. Não apenas numa perspetiva de abastecimento do mercado interno, mas de, a médio e longo prazo, aproveitar as zonas de comércio livre que em África se estão a afirmar. E poder Angola ser, em algumas atividades, um polo de produção para a exportação para outros países limítrofes”, destaca João Neves. Em Luanda sentiu as autoridades “muito interessadas” na participação portuguesa neste tipo de projetos. E conhecedoras de que, no vestuário e calçado, “Portugal tem empresas muito reconhecidas a nível internacional e, portanto, falar com empresas portuguesas é falar com algumas das melhores empresas a nível global”.
Após se ter reunido com os secretários de Estado da Economia e do Comércio de Angola, o governante reconheceu ao ECO que estes projetos devem ser acompanhados de “processos de formação e de requalificação profissional que sejam adequados para investimentos que empresas angolanas ou portuguesas possam fazer nestes setores”. “É absolutamente crítico que isso seja feito porque a tradição [angolana] na área do vestuário e do calçado é muito limitada. Para termos projetos que sejam rentáveis e que tenham níveis adequados de produtividade, temos de trabalhar a vertente da formação, ao mesmo tempo que a identificação de projetos”.
Questionado sobre se a relação diplomática entre os dois países já está normalizada, depois de ter sido perturbada ao longo dos últimos anos por vários casos ligados à justiça, o secretário de Estado da Economia respondeu que “o passado é o passado” e notou “uma mudança que resulta também das últimas eleições em Angola, de afirmação de um trajeto que pretendem fazer”.
“Aquilo que os empresários devem fazer – e têm muita consciência disso – é adaptar-se ao ambiente de negócios. As circunstâncias são o que são e temos de olhá-las, tentando encontrar soluções que permitam materializar os projetos de investimento ou de cooperação económica que tenhamos de fazer. É essa a perspetiva muito pragmática que temos”, concluiu.
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